Assim como todos, ainda estamos tentando digerir o caos instaurado. Desde o início da quarentena, nos perguntamos: como proceder nesse momento — e a partir dele? Colocamos a questão em suspenso, não para deixar de agir, mas para que o convívio com a dúvida nos permita ativar uma série de respostas e ações possíveis.
Estamos recalculando a rota. E sem deixar de fazer o que fazíamos, abrimos espaço para o que ainda podemos fazer.
O dia a dia do escritório mudou, não somente pelo fato do distanciamento social e o trabalho de maneira remota, mas também pela forma como os novos projetos estão se apresentando.
Vimos um aumento na procura por estudos residenciais, já que as pessoas estão tendo uma relação de maior proximidade com suas habitações, se dedicando a pensar e repensar esses espaços. E isso é uma ótima oportunidade para a cidade — clientes exigentes impulsionam a construção de uma arquitetura com melhor qualidade. Para nós, a “boa arquitetura” é aquela feita para pessoas, que busca o bem estar coletivo, pensando no local e entendendo os seus condicionantes específicos. E o que vemos bastante são projetos “carimbados” em qualquer região, sem muita preocupação com a adequação climática ou topográfica. Construções cada vez mais verticalizadas, apartamentos menores, com pouca ventilação e iluminação natural — seguindo a lógica do lucro ditada pelos interesses do mercado imobiliário.
Não podemos falar de arquitetura sem falar de urbanismo. Precisamos urgentemente dar atenção à cidade de forma mais democrática, sem fugir da realidade urbana brasileira. O desafio atual requer o envolvimento de todos: de governos e atores institucionais a pesquisadores, empresas e cidadãos. Devemos compartilhar conhecimento, promovendo soluções mais eficazes enquanto sociedade, e incentivar parcerias para o bem-estar e desenvolvimento de práticas sociais, onde as populações sejam atores transformadores do território em que vivem.
Devido ao cenário incerto, nossos projetos comerciais paralisaram por completo, tanto na fase de estudo como na execução. Muitos empreendimentos estão tendo que romper com seus pontos geográficos — vimos o CoLAB fechar as portas por não conseguir um acordo de locação com os proprietários. Precisamos fortalecer um novo jeito de empreender, nos distanciando dos padrões atuais do sistema. A pauta do desenvolvimento sustentável precisa estar cada vez mais presente nas discussões.
A arquitetura também pode ser uma ferramenta importante para garantir um melhor acesso ao alimento. Devemos apostar em feiras livres, na valorização do pequeno produtor e em iniciativas como as fazendas urbanas.
Na construção, é necessário priorizar materiais locais, selecionando fornecedores e indústrias que promovam o desenvolvimento de recursos localmente — para poluir menos, gastar menos energia no processo e gerar menos desperdício.
É cedo para dizer o que vai acontecer de fato, mas o momento nos proporciona questionar cada uma das regras impostas (supostamente indispensáveis) e a experimentar, pouco a pouco, o que é desejável e o que deixou de sê-lo. As ações se mostram necessárias do micro ao macro ambiente, do espaço privado ao urbano, envolvendo o conhecimento compartilhado entre várias áreas.
Seguimos apostando em nosso modus operandi, com projetos que buscam a simplicidade e valorizam as características originais do espaço, minimizando o impacto ao meio ambiente e viabilizando negócios economicamente saudáveis.
Arquitetura é sobre melhorar condições: ambientais, sociais e, às vezes, também, políticas.
Ilustração: Giovanna Scalfone